Qual o limite de um homem
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O capítulo 18 do primeiro livro de Reis narra a fantástica vitória que o
profeta Elias obtivera sobre os profetas de Baal. O Senhor havia respondido a
oração do seu servo e respondeu com uma demonstração inequívoca do seu poder –
O Senhor enviou fogo do céu em resposta à oração de Elias (1 Rs 18.38). O que
Elias esperava em resposta a esse avivamento era um total quebrantamento do
povo, incluindo a casa real. Todavia o avivamento não alcançou as proporções
desejadas. A casa de Acabe ficou insensível a ele. Jezabel mandou dizer a
Elias, em tom de ameaça: “Façam-me os deuses como lhes aprouver se amanhã a
estas horas não fizer eu à tua vida como fizeste a cada um deles” (1 Rs 19.2).
Parece que a vitória havia se convertido em derrota! Sem dúvida Elias havia
ficado decepcionado, não com o seu Deus, mas com o príncipe de seu povo!
A brisa leve é o “sair de si próprio” para se encontrar novamente, é rever as próprias convicções pela Palavra de Deus; é redescobrir o sentido da vida pela vida que vem de Deus. Elias desesperou-se, perdeu-se, procurou, perseverou e reencontrou-se em Deus (2 Rs 2.11)”. [xii][12]
O psiquiatra cristão John White observa que:
Qual o limite de um homem? Como ele se comporta quando se encontra numa
situação-limite? Nessas circunstâncias, há na vida algum sentido ou
significado? Foi com a proposta de responder a estas perguntas que o psiquiatra
vienense Viktor E. Frankl escreveu o livro: Em
Busca de Sentido.[i][1]
Frankl foi um dos poucos sobreviventes de campo de concentração nazista
durante a segunda Guerra Mundial, responsável pelo extermínio de seis milhões
de judeus! Gordon W. Allport, amigo de Frankl e renomado psicólogo da
Universidade de Harvard, destaca o fato que Frankl foi prisioneiro durante
muito tempo em campos de concentração, onde seres humanos eram tratados de modo
pior do que se fossem animais, e que ele se viu reduzido à existência nua e
crua. O pai, a mãe, o irmão e a esposa de Viktor Frankl morreram em campos de
concentração ou em crematórios, e, exceto sua irmã, toda a sua família morreu
nos campos de concentração. Como foi que ele – tendo perdido tudo o que era
seu, com todos os seus valores destruídos, sofrendo fome, frio e brutalidade,
esperando a cada momento a sua exterminação final – conseguiu encarar a vida
como algo que valia a pena preservar?
Nas páginas 16 e 17 de seu livro, Frankl narra a dramaticidade de viver
em um campo de extermínio.
“O não iniciado que olha de fora, sem nunca ter estado num campo de
concentração, geralmente tem uma ideia errada da situação num campo desses,
imagina a vida lá dentro de modo sentimental, simplifica a realidade e não tem
a menor ideia da feroz luta pela existência, mesmo entre os próprios
prisioneiros e justamente nos campos menores. É violenta a luta pelo pão de
cada dia e pela preservação e salvação da vida. Luta-se sem dó nem piedade
pelos próprios interesses, sejam eles do indivíduo ou do seu grupo mais íntimo
de amigos. Suponhamos, por exemplo, que seja iminente um transporte para levar
certo número de internados para outro campo de concentração, segundo a versão
oficial, mas há boas razões para supor que o destino seja a câmara de gás, porque
o transporte de pessoas doentes e fracas representa uma seleção dos
prisioneiros incapacitados de trabalhar, que deverão ser dizimados num campo
maior, equipado com câmaras de gás e crematório. É neste momento que estoura a
guerra de todos contra todos, ou melhor, de uns grupos e panelinhas contra
outros. Cada qual procura proteger-se a si mesmo ou os que lhe são chegados,
pô-los a salvo do transporte, “requisitá-los” no ultimo momento da lista do
transporte. Um fato está claro para todos: para aquele que for salvo dessa
maneira, outro terá que entrar na lista. Afinal de contas, o que importa é o
número; o transporte terá que ser completado com determinado número de
prisioneiros. Cada qual então representa pura e simplesmente uma cifra, pois na
lista constam apenas os números dos prisioneiros. Afinal de contas, é preciso
considerar que em Auschwitz, por exemplo, quando o prisioneiro passa pela
recepção, ele é despojado de todos os haveres e assim também acaba ficando sem
nenhum documento, de modo que, quem quiser, pode simplesmente adotar um nome
qualquer, alegar outra profissão etc. Não são poucos os que apelam para esse
truque, por diversas razões. A única coisa que não dá margem a dúvidas e que
interessa aos funcionários do campo de concentração é o número do prisioneiro,
geralmente tatuado no corpo. Nenhum vigia ou supervisor tem a ideia de exigir
que o prisioneiro se identifique pelo nome, quando quer denunciá-lo, o que
geralmente acontece por alegação de “preguiça”. Simplesmente verifica o número
que todo prisioneiro precisa usar, costurado em determinado pontos da calça, do
casaco e da capa, e o anota (ocorrência muito temida por suas consequências)”.[ii][2]
O que faz sentido numa situação dessas? Como bem observaram os editores
da obra de Frankl, ele toca na essência do que é ser humano: usar a capacidade
de transcender uma situação extremamente desumanizadora, manter a liberdade
interior e, desta maneira, não renunciar ao sentido da vida, apesar dos
pesares. É manter-se aberto para a vida, mesmo naquelas situações aparentemente
sem sentido e dessa forma encontrar o sentido mais profundo da transcendência
humana.[iii][3]
A história de Viktor Frankl possui alguma similaridade com a do profeta
Elias – ambos viveram situações-limite. Frankl era um judeu que sobreviveu ao
extermínio promovido pelo nazismo; Elias, também judeu, sobreviveu ao
extermínio promovido pelo profeta Acabe. Assim como Frankl, Elias era humano!
Estava sujeito aos mesmos sentimentos (Tg 5.17).
Muitas vezes ficamos tão fascinados com o registro bíblico sobre homens
e mulheres de Deus que acabamos esquecendo que os mesmos eram humanos! Passamos
a enxergá-los como heróis e como tal acreditamos que eles não possuem falhas.
Todavia a Escritura mostra os homens de Deus como de fato os são – homens
vigorosos, destemidos, corajosos e ousados – mas ainda assim humanos.
Com Elias também foi assim. Elias foi um profeta que deixou leu legado
na história bíblica como um gigante espiritual. Um servo de Deus de profunda
convicção espiritual e consciente de sua missão profética. Por causa disso
enfrentou soberanos, falsos profetas e o coração de um povo dividido. Isso
deixou uma sobrecarga sobre ele, e foi isso que fez aflorar na vida do profeta
de Tisbe todo o seu lado humano, frágil e carente da ajuda divina.
“Acabe fez saber a
Jezabel tudo quanto Elias havia feito e como matara todos os profetas à espada.
2 Então, Jezabel mandou um mensageiro a Elias a dizer-lhe: Façam-me
os deuses como lhes aprouver se amanhã a estas horas não fizer eu à tua vida
como fizeste a cada um deles. 3 Temendo, pois, Elias,
levantou-se, e, para salvar sua vida, se foi, e chegou a Berseba, que pertence
a Judá; e ali deixou o seu moço. 4 Ele mesmo, porém, se foi
ao deserto, caminho de um dia, e veio, e se assentou debaixo de um zimbro; e
pediu para si a morte e disse: Basta; toma agora, ó Senhor, a minha alma, pois não sou melhor do que meus pais.
5 Deitou-se e dormiu debaixo do zimbro; eis que um anjo o tocou e lhe
disse: Levanta-te e come. 6 Olhou ele e viu, junto à
cabeceira, um pão cozido sobre pedras em brasa e uma botija de água. Comeu,
bebeu e tornou a dormir. 7 Voltou segunda vez o anjo do Senhor, tocou-o e lhe disse: Levanta-te
e come, porque o caminho te será sobremodo longo. 8 Levantou-se,
pois, comeu e bebeu; e, com a força daquela comida, caminhou quarenta dias e
quarenta noites até Horebe, o monte de Deus. 9 Ali, entrou
numa caverna, onde passou a noite; e eis que lhe veio a palavra do Senhor e lhe disse: Que fazes aqui,
Elias? 10 Ele respondeu: Tenho sido zeloso pelo Senhor, Deus dos Exércitos, porque os
filhos de Israel deixaram a tua aliança, derribaram os teus altares e
mataram os teus profetas à espada; e eu fiquei só, e procuram tirar-me a vida.
11 Disse-lhe Deus: Sai e põe-te neste monte perante o Senhor. Eis que passava o Senhor; e um grande e forte vento fendia
os montes e despedaçava as penhas diante do Senhor,
porém o Senhor não estava no
vento; depois do vento, um terremoto, mas o Senhor
não estava no terremoto; 12 depois do terremoto, um fogo, mas
o Senhor não estava no fogo; e,
depois do fogo, um cicio tranqüilo e suave. 13 Ouvindo-o
Elias, envolveu o rosto no seu manto e, saindo, pôs-se à entrada da caverna.
Eis que lhe veio uma voz e lhe disse: Que fazes aqui, Elias? 14 Ele
respondeu: Tenho sido em extremo zeloso pelo Senhor,
Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua aliança,
derribaram os teus altares e mataram os teus profetas à
espada; e eu fiquei só, e procuram tirar-me a vida. 15 Disse-lhe
o Senhor: Vai, volta ao teu
caminho para o deserto de Damasco e, em chegando lá, unge a Hazael rei
sobre a Síria. 16 A Jeú, filho de Ninsi, ungirás rei
sobre Israel e também Eliseu, filho de Safate, de Abel-Meolá, ungirás profeta
em teu lugar. 17 Quem escapar à espada de Hazael, Jeú o
matará; quem escapar à espada de Jeú, Eliseu o matará. 18 Também
conservei em Israel sete mil, todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e
toda boca que o não beijou” (1 Rs 19.1-18).
Elias – um homem como os outros
Um homem sentimental
O apóstolo Tiago destacou em sua epístola a dimensão humana do profeta
Elias. Elias era homem, estava também sujeito aos sentimentos peculiares aos
seres humanos. É isso o que o apóstolo diz: “Elias era homem semelhante a nós,
sujeitos aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse
sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu” (Tg 5.17). Tiago diz
duas coisas importantíssimas sobre Elias que nós parecemos esquecer:
primeiramente “Elias era homem”. Elias foi um gigante espiritual, mas era
homem! Não era um anjo! Quando escrevi um comentário para a Escola Dominical
sobre a vida do rei Davi, destaquei esse fato: “Davi era humano, demasiado
humano! Foi Nietzsch quem usou essa expressão em um outro contexto. Todavia,
acredito que ela se aplica bem a Davi. Davi era tudo aquilo que podemos
identificar como humano. Um homem espiritual, mas humano. Um guerreiro forte,
mas ao mesmo tempo um líder quebrantado (Sl 34.18). Um homem que sabia pensar e
ao mesmo tempo chorar (2 Sm 12.22). Davi às vezes se mostra extremamente
racional e em outras um homem altamente emocional. Davi era humano! Às vezes
ficamos com um sentimento de decepção quando vemos Davi se emaranhando nas
teias do pecado sexual. É evidente que a Escritura reprova veementemente essa
ação de Davi, todavia isso nos mostra um outro lado da moeda – Davi era um
homem! E como homem, estava sujeito a falhas.
Ele não era um anjo, ou um semideus ou ainda um dos heróis antigos, mas
um homem que amava a Deus mesmo com todas as suas fragilidades. Às vezes
esquecemos que, ao escolher Davi, o profeta Samuel, sob direção divina, disse:
“já tem buscado o Senhor para si um homem segundo o seu coração” (1 13.14).
Deus procurou um homem, e não um semideus. Não um herói. Não devemos esquecer a
nossa humanidade. Às vezes encontramos crentes que não querem mais ser humanos,
eles buscam um projeto de espiritualidade destituído da parte humana. Isso é
extremamente perigoso. Devemos ser crentes espirituais, mas não esquecendo que
ainda habitamos neste tabernáculo” (2 Pe 1.14).[iv][4]
Assim como Davi, Elias também era humano. Ele estava sujeito aos “mesmos
sentimentos”. Elias não era apenas espiritual, era também sentimental!
Alegrava-se, mas também se entristecia! Talvez o que distingue Elias dos demais
mortais é que ele não maquiava seus sentimentos. Ele os punha para fora.
Um homem espiritual
Como vimos, há muitas semelhanças nas historias de Frankl e do profeta
de Tisbe, em especial quando levamos em conta a dimensão psicológica ou
subjetiva. Todavia há diferenças também. Elias não era psiquiatra, não possuía
formação em comportamento humano, mas era um profeta com uma profunda vida
espiritual. Se Frankl se valeu do que ele mesmo batizou com o nome de logoterapia, uma técnica que busca um
sentido para a existência, Elias buscou o sentido dessa mesma existência em
Deus. Elias era servo do Deus vivo, razão última de toda a existência humana!
Dizendo isso de uma outra forma, o profeta de Tisbe era um homem espiritual.
Elias era um homem espiritual e vários fatos
narrados nas Escrituras atestam essa verdade. Primeiramente vemos Elias como um
profeta profundamente envolvido com a Palavra de Deus: “E, que segundo a tua
palavra fiz todas essa coisas” (1 Rs 18. 36). Em segundo lugar, observamos que
o profeta de Tisbe possuía uma profunda vida devocional. Elias era um homem de
oração: “Subiu Acabe a comer e a beber; Elias, porém, subiu ao cimo do Carmelo,
e, encurvado para a terra, meteu o rosto entre os joelhos, e disse ao seu moço:
Sobe e olha para o lado do mar. Ele subiu, olhou e disse: Não há nada. Então,
lhe disse Elias: Volta. E assim por sete vezes” (1 Rs 18.42,43). Elias
aprendera a arte da oração!
As causas dos conflitos de Elias
Decepção
Para a psicóloga Esther Carrenho (2001, pp.148-149) essa sem dúvida foi
a razão que motivou o profeta Elias ficar deprimido. Em sua excelente obra,
Carrenho faz uma análise detalhada sobre os principais conceitos da Depressão,
em especial quando ela se manifesta em personagens bíblicos tais como: Jó,
Moisés, Davi e Elias.
Na sua análise sobre o profeta de Tisbe, Carrenho destaca que:
“Quando analisamos psicologicamente os fatos na vida de Elias, podemos
também concluir que sua depressão poderia ser chamada de “depressão após o
sucesso”. Esse é um tipo de depressão que também pode cair sobre muitas
pessoas. Normalmente, diante de um desafio, o corpo passa a produzir um excesso
de adrenalina para que a pessoa dê conta de executar todo seu plano até ver o
desafio cumprido. Uma vez que a tarefa está encerrada, a produção de adrenalina
também cessa, trazendo para o corpo uma prostração e um cansaço de tal forma
que algumas pessoas demoram alguns dias para se recuperarem novamente”.[v][5]
Medo
Diante da ameaça de morte sentenciada pela rainha Jezabel, a reação de
Elias foi imediata: “Temendo, pois, Elias, levantou-se, e, para salvar a sua
vida, se foi, e chegou a Berseba, que pertence a Judá; e ali deixou o seu moço”
(1 Rs 19.3). Elias teve medo e fugiu! O homem que havia confrontado Acabe e os
falsos profetas de Baal e Aserá, agora fugia temendo morrer pela mão de uma
mulher! Não devemos esquecer que Elias era um homem semelhante a nós e sujeito
aos mesmos sentimentos (Tg 5.17). Os gigantes também possuem seus momentos de
fraqueza! Não há dúvidas que aqui os sentimentos falaram mais alto do que a fé!
Esther Carrenho destaca que:
“Acabe relata tudo para sua mulher, Jezabel, que se
enfurece com Elias ao saber da morte dos profetas de Baal. Ela manda um aviso
dando-lhe 24 horas de prazo; depois disso, ela o destruirá da mesma forma com
que ele destruiu e matou os profetas. Elias sentiu medo diante da ameaça de
Jezabel. E esse medo vai desencadear uma depressão que faz com que Elias, o
grande herói e vencedor, se prostre em total desânimo.”[vi][
As consequências dos conflitos
Fuga e isolamento
O texto sagrado destaca a fuga do profeta Elias (1 Rs 19.3). O homem de
Deus que havia enfrentado situações tão adversas, agora se vê impotente diante
das ameaças de uma rainha pagã. Ele se viu sem escapatória diante dessa nova
situação e temeu por sua vida. Humanamente falando era ficar e morrer. Devemos
observar que o Senhor não recriminou Elias por isso, nós também não devemos
fazê-lo. Por outro lado, Elias não apenas fugiu, ele também se isolou. “Ele mesmo,
porém, se foi ao deserto” (1 Rs 19.4). Essa é uma marca de uma pessoa deprimida
– ela busca o isolamento. Somos seres sociais e como tal não podemos viver no
isolamento. Carrenho (pp.150,151) vê o medo
e isolamento de Elias como dois
primeiros sintomas depressivos do profeta:
“O primeiro sintoma da depressão presente em Elias é o medo. Ele se deu conta de que,
humanamente falando, não tinha escapatória, e diante da sensação de impotência
foge para salvar a própria vida. “Elias teve medo e fugiu para salvar a vida.”
O segundo sintoma é o isolamento. “Em
Berseba de Judá ele deixou o seu servo e entrou no deserto, caminhando um dia.”
Foi no deserto e sozinho que ele achou que poderia se proteger do ataque de
Jezabel.”[vii][7]
Autopiedade e desejo de morrer
Vemos ainda as marcas do comportamento depressivo do profeta na sua
atitude de autopiedade, um termo sinônimo para autocomiseração, cunhado pelos psicólogos. Elias achava que somente
ele ficara como um servo fiel do Senhor. “Eu fiquei só” (1 Rs 19.10). Ele achava que todos haviam apostatado ou
abandonado a fé. Não havia mais fiéis, somente ele. Como o texto deixa claro,
isso era ver a realidade de forma distorcida. Deus possuía ainda seus sete mil
(1 Rs 19.18). Mas Elias foi mais além – ele agora queria morrer. “E pediu para
si a morte” (1 Rs 19.4). Os psicólogos observam que este é um sintoma de uma
pessoa com depressão profunda. Ela perde o encanto pela vida. Elias, portanto,
precisava urgentemente da ajuda do Senhor.
Carrenho destaca com muita propriedade que: “O
desejo de morrer não significa desejo de se matar. Há diferença entre sentir o
desejo de morrer, não querer continuar a viver, e o desejo de se matar. Elias
pede que Deus tire a vida dele, que na verdade é uma forma de ter a vida
terminada, mas sem a própria participação. Para muitas pessoas o simples fato
de pensar em morrer já se torna um peso insuportável, pela culpa que elas
sentem”.[viii][8]
O socorro divino
Um breve esboço da estadia do profeta Elias no Monte Horebe ou Sinai,
que é uma espécie de resumo do que foi dito até aqui, pode ser dado como segue:
1) Elias entrando na caverna
a) Decepção (1 Rs 19.2)
b) Medo (1 Rs 19.3)
2) Elias dentro da caverna
a) Fuga (1 Rs 19.3)
b) Isolamento (1 Rs
19.4)
c) Autopiedade (1 Rs
19.10)
d) Desejo de desistir e
morrer (1 Rs 19.4, 18)
3) Elias saindo da caverna
A terceira e última parte é a que iremos analisar agora – Elias saindo
da Caverna. Foi o escritor americano John Gray (1995, pp.42-43) quem
popularizou a figura da caverna como
símbolo de conflitos psicológicos. Em seu livro: Homens São de Marte e as Mulheres são de Venus, que se tornou best-seller, ele escreveu:
“Quando um homem está estressado, ele se retira para dentro de uma
caverna na sua mente e se concentra na resolução de um problema. Ele geralmente
escolhe o problema mais urgente ou mais difícil. Ele fica tão concentrado na
resolução desse problema que perde temporariamente a noção de tudo o mais.
Outros problemas e responsabilidades desaparecem gradualmente no pano de fundo.
Em tais momentos, ele se torna progressivamente distante, esquecido,
insensível e preocupado em seus relacionamentos. Por exemplo, quando tiver uma
conversa com ele em casa, parece que somente 5% de sua mente estão disponíveis
para o relacionamento enquanto os outros 95% ainda estão no trabalho.
Sua plena consciência não está presente porque ele está ruminando o
próprio problema, esperando encontrar uma solução. Quanto mais estressado
estiver, mais preso ao problema ficará. Em tais momentos, ele é incapaz de dar
a uma mulher a atenção e o sentimento que ela normalmente recebe e certamente
merece. Sua mente está preocupada, e ele se sente impotente para liberá-la. Se,
no entanto, ele puder encontrar a solução, ele se sentirá melhor
instantaneamente e sairá da caverna; repentinamente ele estará à disposição
para participar do relacionamento novamente.
Entretanto, se ele não puder encontrar uma solução para seu problema, então
permanecerá enfiado na caverna. Para sair, ele ficará atraído pela resolução de
pequenos problemas, como ler o jornal, ver televisão, dirigir seu carro, fazer
exercícios físicos, assistir a um jogo de futebol, jogar basquete, e por aí
afora. Qualquer atividade desafiadora que inicialmente requeira somente 5% de
sua mente pode ajudá-lo a esquecer seus problemas e a sair. Assim, no dia
seguinte, ele será capaz de redirecionar seu foco para seu problema com mais
sucesso.”[ix][9]
No caso de Elias, fica evidente o fato que se não fosse a mão do Senhor,
Elias jamais teria conseguido sair daquela caverna.
Esther Carrenho destaca esse fato:
“Elias, na minha opinião, é o exemplo bíblico mais forte e significativo
de uma pessoa deprimida. Primeiro, porque sua depressão poderia ser
classificada como severa. Há todos os indícios e sintomas de alguém que se
prostra sem recursos próprios para sair da situação sem ajuda externa. Só
depois que Elias é assistido, até de maneira sobrenatural, é que ele recobra
suas forças e consegue caminhar novamente em direção ao monte Horebe”.[x][10]
Provisão física
O socorro do Senhor chegou até o profeta na forma de provisão física ou
material: “Deitou-se e dormiu debaixo do zimbro; eis que um anjo o tocou e lhe
disse: Levanta-te e come” (1 Rs 19.5). Os psicólogos veem aqui um dos sintomas
da depressão de Elias – a inapetência ou alteração dos hábitos alimentares.
Nesse estado a pessoa pode não querer comer como também pode possuir um apetite
exagerado. Em ambos os casos é necessário o auxilio de terceiros. Esse sintoma
é denominado pelos psicólogos de inapetência,
isto é, “a alteração nos hábitos alimentares, quando tanto pode ocorrer a
falta de apetite como o comer exagerado. No caso de Elias, ele só dorme e não
tem nenhum interesse em providenciar o alimento. É preciso que o anjo traga a
alimentação pronta. Os familiares e aqueles que cuidam de pessoas com depressão
precisam saber que em muitos casos é preciso tomar a iniciativa de, respeitosa
e amorosamente, por um tempo, cuidar do deprimido.”[xi][11] No caso do profeta o anjo do Senhor é quem o auxilia providenciando-lhe
alimento. Ele precisava alimentar-se e Deus fez com que isso fosse
providenciado: “Olhou ele e viu, junto à cabeceira, um pão cozido sobre pedras
em brasa e uma botija de água. Comeu, bebeu e tornou a dormir” (1 Rs 19.6,7).
Provisão espiritual
Observamos que Elias se alimentou de pão e água, sem dúvida alguma
elementos de natureza material. Todavia a forma e o instrumento usado por Deus
para fazê-los chegar até ao profeta era de natureza espiritual. Como já vimos o
texto sagrado diz que um anjo do Senhor foi quem providenciou aqueles víveres
para o profeta (1 Rs 19.5, 6). Mas não foi apenas um anjo que prestou auxilio
ao profeta. O próprio Deus a quem Elias servia o conduziu durante todo o tempo.
A própria ida de Elias ao monte Horebe fez parte dessa terapia. Ali Elias seria
revitalizado não apenas na sua vida espiritual, mas também na sua vida
emocional (1 Rs 19.8-15).
O Dr. Rodrigo Pires do Rio (2010, pp.82,83) destaca esse momento na vida
do profeta Elias:
“A experiência do deserto marcou a caminhada de Elias. Deserto não
apenas como região externa, mas, principalmente, como experiência interior.
Elias viveu em uma época de corrupção e suborno, de uso abusivo e absurdo do
poder, de ruptura com as coisas de Deus e culto de idolatrias. Ele teve
momentos de não saber, de estar perdido, de ter medo, de achar que tudo estava
terminado, de querer fugir e morrer. Ele procurou Deus nos sinais tradicionais
(terremoto, vento, fogo) e não O encontrou.
Pareceu-lhe, como para muitos de nós hoje, que não havia sentido na
vida, nem direção a ser seguida. Os sinais tradicionais eram para Elias nada
mais que lâmpadas que já não se acendiam. Elias só encontrou a Deus, de maneira
inesperada, na brisa leve, que significa voz de calmaria suave. A brisa leve
indica algo, um fato que, de repente, faz a pessoa ficar calada, cria nela um
quebrantamento e, assim, a dispõe para escutar; provoca nela expectativa.
A brisa leve é o “sair de si próprio” para se encontrar novamente, é rever as próprias convicções pela Palavra de Deus; é redescobrir o sentido da vida pela vida que vem de Deus. Elias desesperou-se, perdeu-se, procurou, perseverou e reencontrou-se em Deus (2 Rs 2.11)”. [xii][12]
Acabamos de observar que os homens de Deus também têm conflitos. Padecem
também dos males comuns a todos os mortais. Todavia é perceptível que o servo
de Deus conta com uma forma de auxílio diferenciado – ele não está sozinho
neste mundo e por isso não depende apenas dos limitados recursos humanos. O
Senhor se faz presente nas horas conflituosas da vida e presta-nos o seu
auxílio. Lemos nos Salmos as palavras: “Deus é o nosso refúgio e fortaleza,
socorro bem presente nas angustias” (Sl 46.1).
“Todos nós experimentamos tais sentimentos de vez em quando. As soluções
são muitas: uma boa caminhada, contar as bênçãos, uma boa noite de sono, uma
conversa com os amigos, alguns hinos de louvor, uns momentos a sós com Deus.
Quando, entretanto, os sentimentos continuam a nos assaltar por semanas e
meses, devemos procurar ajuda de alguém [...]
Infelizmente, os cristãos têm uma inclinação para considerar suas
depressões só em termos espirituais. Acham que desapontaram a Deus. Os judeus
religiosos fazem o mesmo, interpretando suas experiências dentro de uma
estrutura religiosa. E os conselheiros espirituais, presos nessa mesma
estrutura, podem muito bem diagnosticar um problema espiritual em algum
cliente, mas não perceber uma enfermidade depressiva em outro, de modo que a fé
vai ser encorajada onde ela não existe, ou o louvor em um coração murcho como
uma ameixa seca”.[xiii][13]
[i][1] FRANKL, Viktor E. Em Busca
de Sentido. 31ª edição, Editoras Sinodal/Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro,
2011.
[iii][3] John White, psiquiatra cristão, no entanto oberva que: “Frankl é
um deleite e uma frustração para os cristãos. É um prazer na sua concepção do
fato fundamental de que precisamos entender porque estamos vivos. Mas é uma
frustração porque ele foge à questão básica (o significado final da
existência), confinando-se ao significado idiossincrático da existência de cada
pessoa. Uma mãe abandonada, por exemplo, pode ser ajudada a suportar as
dificuldades entendendo que o significado de sua vida consiste na criação de um
futuro pra os eu filho aleijado” (WHITE, John. As Máscaras da Melancolia:um psiquiatra cristão aborda a problemática
da depressão e do suicídio, p.103, Editora ABU, 2001).
[iv][4] GONÇALVES, José et al. Davi
– as vitórias e derrotas de um homem de Deus. CPAD, Rio de Janeiro, 2010.
[ix][9] GRAY, John. Os Homens são
de Marte e as Mulheres são de Vênus – um guia prático para melhorar a
comunicação e conseguir o que você quer nos seus relacionamentos. Editora
Rocco, 12º edição, Rio de Janeiro, 1995.
[xii][12] DO RIO, Rodrigo Pires. O
Poder da Fé Contra a Depressão. Ed. Dynamus, Belo Horizonte, 2010.
[xiii][13]
WHITE, John. As Mascaras da Melancolia: um psiquiatra cristão aborda a
problemática da depressão e do suicídio. Editora
ABU, São Paulo, 2001.
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